E se você descobrisse uma boa parte de histórias desconhecidas de seu passado familiar, através de gravações antigas? E se esse passado, até então desconhecido, mexesse com suas estruturas? Essas são uma das questões que o longa-metragem Cora proporciona ao espectador.
Dirigido por Gustavo Rosa de Moura e Matias Mariani, o filme tem estreia mundial no Festival do Rio, no qual participa da competição de longas da Première Brasil 2021. É uma coprodução entre Brasil e Dinamarca, com distribuição da Pandora Filmes.
O ano é 2064, e Cora (Charlotte Munck), uma norueguesa, encontra um documentário inacabado em que Benjamim, seu pai brasileiro, tentava – cinquenta anos antes – investigar a história de seus próprios pais. São eles: Teo, que atingido pela loucura e morreu jovem, e Elenir, uma mulher misteriosa da qual ele mal tinha ouvido falar.
No decorrer de sua investigação, Benjamim descobre que os dois personagens fazem parte de um complexo quebra-cabeça familiar, repleto de traumas e tabus, e passa a se ver como uma peça importante do quebra-cabeça. O filme parte do passado misterioso para conhecer mais sobre as próprias origens. Sabendo das incertezas de sua árvore genealógica, Cora decide organizar e comentar o material deixado pelo pai.
Apesar de o longa-metragem ter uma linguagem documental e sequências de entrevistas em Super 8, o que nos dá a impressão de veracidade da história narrada, na verdade o filme é uma obra completamente ficcional.
A mistura de dois modos de narrativa, o documental e o ficcional, nos faz questionar sobre os modos de contar uma história. Nos deparamos com a linha tênue entre o que é realidade e ficção, principalmente pela atuação primorosa da veterana Vera Valdez, que aqui dá vida à bisavó de Cora, nos seus últimos dias em um leito de hospital. Um cenário diferente da década de 1950, quando a atriz era uma das modelos preferidas de Coco Chanel.
É por meio das incertezas desse impasse familiar em formato de vídeos que Cora também faz diversos questionamentos sobre si mesma, temendo o quanto a loucura pode ser um traço em sua família, por exemplo.
Outra reflexão que o longa traz é: o quanto a narrativa desconhecida de um passado familiar e histórias não contadas podem impactar a vida de alguém?
Nos letreiros finais, Cora é creditado como “um filme resposta a Antonio”, romance publicado em 2010, e finalista dos prêmios Portugal Telecom e Jabuti, escrito por Beatriz Bracher, mãe do diretor Matias Mariani.
Curiosamente, ao ler o livro, Mariani o classificou como inadaptável, mas Rosa de Moura já cogitava fazer no formato que combinava documentário e ficção, e juntos resolveram encarar o desafio de adaptar a obra.
Beatriz Bracher, mãe de Mariani, quando assistiu a um primeiro corte do filme, sugeriu essa formulação de filme-resposta. Afinal is achou que propunha uma reação ao que o livro narra, e não propriamente a sua simples transposição para outra mídia.
Fazer um filme experimental que combina diversas linguagens implicou numa série de desafios. Para Mariani, o maior foi imaginar um futuro, um mundo transformado. “Conceitualmente, o filme é realizado em um futuro no qual o Brasil nem existe mais. Imaginar como seria isso, qual seria esse futuro a partir do qual o filme fala para o espectador, foi a nossa maior dificuldade, na minha opinião. Ao mesmo tempo que achava importante manter vaga a descrição desse futuro no filme, era importante, para o construirmos, termos uma imagem clara, mesmo que esta não aparecesse para o espectador”.
Cora é um filme bastante peculiar também em sua estética, incorporando intervenções e elementos tipicamente ligados à mídia digital. Os diretores fizeram uma vasta pesquisa em torno desse tipo de linguagem para chegarem ao visual do filme e dessa forma os glitches, datamoshing, pixel sorting e outros conceitos já muito usados em glitch art. Apesar de não muito conhecidos no mundo do cinema narrativo.
Apesar de se passar no futuro, Cora tem muito a dizer sobre e para o Brasil de hoje: “infelizmente, o futuro que imaginamos parece estar mais próximo do que nunca. Um Brasil lamacento, em decomposição e fechado ao mundo exterior era, quando começamos o projeto, algo já em formação mas ainda distante. De repente, em poucos anos, foram tantos retrocessos e absurdos, e a situação do país (e do mundo) piorou tanto, que a realidade que pensamos pro filme se aproximou de nós. Cora propõe uma reflexão sobre o papel das famílias da elite paulistana nesta decomposição, e o quanto que pessoas ditas esclarecidas quando confrontadas com a nossa terrível desigualdade e com nossas heranças escravocratas escolheram não fazer nada – o que não deixa de ser, em si, uma escolha”, comentam os diretores.
Ficha Técnica
Direção e Roteiro: Gustavo Rosa de Moura, Matias Mariani
Produção: Gustavo Rosa de Moura
Coprodução: Tatiana Leite, Valeria Richter
Elenco: Vera Valdez, Fabio Marques Miguez, Sylvio Ziber, Andre Whoong, Charlote Munk
Desenho de som: Peter Albrechtsen
Edição: Alexandre Wahrhaftig, Bernardo Barcellos e Luísa Marques
Edição Final: Alexandre Wahrhaftig
Pós-produção: Bruno Rezende
Gênero: drama
País: Brasil, Dinamarc
Ano: 2021
81 min.